sábado, 26 de janeiro de 2013

As Férias


Clóverson era leiturista de luz.

Estava nesse emprego a 9 anos e nunca havia tirado férias. 

É aquela velha história: o cara trabalha numa empresa terceirizada. A empresa presta serviço durante 1 ano, 1 ano e meio e quando chega a época do funcionário tirar férias, a empresa quebra, sai e chega outra empresa.

E o cara sem férias...

Mas, tudo estava para mudar. As férias tão merecidas de Clóverson finalmente aconteceriam!

Era uma sexta-feira. Clóverson estava marcando a luz numa rua íngreme e sem saída. Estava na última leitura do dia.

“Ah, última leitura! E que venham as minhas férias!” – pensou. Ele conferiu os números da leitura no medidor. Digitou no seu aparelho e... O aparelho travou.

Quando o aparelho, chamado PDA, travava, era preciso reiniciá-lo, assim como um computador que dá “pau”. E ele reiniciou o aparelho.

Depois de quase 5 minutos, o aparelho estava restabelecido. Clóverson digitou a leitura novamente. E quando a pequena impressora presa em sua cintura começou a imprimir a última conta, acabou o papel.

O leiturista pacientemente pegou a mochila que trazia nas costas, abriu o zíper e apanhou uma bobina de papel. Abriu a impressora, tirou o rolinho vazio e quando foi substituí-lo, a bobina nova escorregou de sua mão.

Ele se abaixou para apanhá-la, mas, um vira-lata brincalhão foi mais rápido.

Era a última bobina e Clóverson precisava pegá-la de qualquer jeito.

Ficou cercando o cachorro por mais de 10 minutos até que foi salvo por uma cadelinha, muito provavelmente no cio, que passou acompanhada por mais meia dúzia de cães e fez com que o vira-lata também a seguisse largando a bobina.

Ele apanhou a bobina toda babada e a retirou do saquinho plástico. Fez uma expressão de nojo e limpou as mãos nas próprias calças. Conseguiu colocar a bobina na impressora. Mas, quando foi clicar no PDA para dar o comando de imprimir a conta, a tela havia apagado.

Clóverson apertou o botão de liga/desliga e nada. Quando isso acontecia, ele sabia que a única solução era retirar a bateria do aparelho e esperar 10 minutos, antes de recolocá-la. Foi o que ele fez.

Passados 5 minutos, ele resolveu dar uma caminhada até uma padaria que ficava a uns 10 minutos dali. Estava com sede.

Porém, ao chegar à padaria, não resistiu as suculentas esfihas que estava exposta e comeu logo duas.

No caminho de volta ao trabalho, recolocou a bateria no PDA e como a leitura já estava gravada, ali mesmo ele imprimiu a conta.

Caminhou cerca de 10 minutos com a conta na mão, sedento para colocá-la logo na caixinha de correio do cliente e estar finalmente livre para curtir suas férias.

Quando se aproximou da última casa da rua, foi pego de surpresa por um vento repentino. A conta saiu voando. Ele correu atrás. Quase a pegou no ar, mas, ela caprichosamente fez uma curva e caiu nos seus pés. Quando abaixou para apanhá-la, bateu outro vento. Ela se enrolou e rolou até cair dentro de uma boca de lobo.

Ele riu e pensou: “Acho que não é pra eu tirar férias.”

Teria que imprimir outra conta.

De repente, começou a suar frio.

Seria o esforço de subir aquela ladeira e depois correr atrás da conta?

Não!

Era o efeito das engorduradas esfihas que agora havia se transformado em terrível cólica.

“Meu Deus, um banheiro! Meu Deus...”

O posto!

Havia um posto de gasolina há 2 quadras dali.

Desceu o mais rápido que pôde, com o tronco comprimido e as pernas se movendo rapidamente, numa espécie de marcha atlética.

No caminho, foi parado por uma mulher:

- Moço, você é da luz?

- Si...sim.

- Você tá bem?

- Nã... Não.

- Mas, acho que dá pra você me dar uma informação. É rapidinho... É o seguinte: na minha casa só tem 3 cômodos. Não tenho freezer, nem microondas, nem nada que gaste tanta energia. Por que a minha conta vem tão cara?

- Quanto, senhora?

- 80 reais, um absurdo!

- E quantas pessoas moram na casa?

- 8.

- E tem chuveiro?

- Lógico!

- Então, a senhora me desculpe, mas o seu relógio deve estar com defeito pra marcar tão pouco.

Deu um abraço na mulher, um beijo no rosto, disse “Obrigado” e foi embora...                

As pessoas fazem coisas estranhas quando estão desesperadas...

Chegando ao posto de gasolina, desesperado, ele nem deu um “alô” para os amigos frentistas. Achou que o esforço do movimento do braço se levantando num cumprimento poderia ser demais para a situação. Contudo, quando se sentou no “trono”, não precisou fazer esforço algum, só relaxar...

Minutos depois, mais aliviado, pegou sua mochila e voltou à ladeira para deixar a derradeira conta. Porém, ao chegar lá, houve um pequeno problema...

“Cadê a minha impressora?”

Ele havia esquecido a dita-cuja no banheiro do posto de gasolina. Voltou correndo feito um doido, rezando para que ninguém a tivesse levado.

Por sorte, ela continuava lá, intacta, em cima da pia.

Pegou a impressora e subiu a ladeira. Começava a chuviscar. 10 minutos depois estava em frente a casa onde deveria deixar a última conta do roteiro.

Quando ligou o PDA e a impressora, a chuva engrossou. Não havia condições de imprimir a última conta. Procurou o guarda-chuva na mochila, mas, sem sucesso. Então, buscou abrigo na única casa da rua onde era possível se esconder da chuva, na esquina lá embaixo.

Esperou por quase 15 minutos até que a chuvona virasse uma garoinha.

Finalmente, imprimiu a última conta. Subiu a rua e quando chegou a casa percebeu que estava sem caixinha de correio.

“Putz! Se eu deixar a conta no portão e voltar a chover, vai estragá-la.”

Bateu palmas, mas, ninguém atendeu.

Chamou, mas, não adiantou.

Descobriu uma campainha, tocou e nada...

De repente, uma vizinha abriu a janela e gritou:

- Não tem ninguém aí moço.

- Senhora, eu preciso deixar a conta de luz nesta casa, mas, está chovendo. A senhora poderia fazer a gentileza de entregar depois pra sua vizinha?

- Sinto muito, mas, eu odeio essa mulher!

- Ok!

O leiturista já estava ficando desanimado quando chegou um carro. Era a senhora que tinha pedido informação.

- Ah, você de novo...

- Pois é... Vim deixar a sua conta de luz. – e estendeu o braço para a mulher.

Ela segurou sua mão e disse:

- Você não quer entrar um pouquinho? – e deu uma piscadela pra ele.

Preconceitos à parte, ela tinha idade para ser a sua avó.

- Ah, sabe o que é, senhora, eu preciso ir... Estou com suspeita de gripe suína e tenho um exame médico agora.

A senhora entrou quase que tropeçando dentro de casa.

Clóverson seguiu até à base pra deixar os aparelhos. Estava exausto, porém, muito feliz! Finalmente haveria de tirar as férias tão sonhadas.

Chegou ao escritório e estava guardando seus apetrechos quando foi chamado pelo seu encarregado:

- Clóverson, preciso falar com você...

- Pois não, seu Carlos.

- Houve um problema no sistema de RH e as suas férias foram adiadas, sem previsão de data.


¨¨¨¨


Clóverson pegou 3 anos e meio por tentativa de homicídio e jura que não espera o dia em que estará livre.





terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Luz




Dias atrás, cheguei numa casa pra fazer leitura de luz e uma mulher me perguntou:

- Moço, você é luz?

Respostas imaginadas:

- Sim, sou “raio, estrela e luar... Manhã de sol, meu iá iá, meu iô iô...” (Wando)

- Sim, “eu sou a luz das estrelas, eu sou a cor do luar...” (Raul Seixas)

- Sim, sou Luz Clarita, a nova velha novela do SBT...

- Sim, sou Jesus Luz, não tão famoso quanto o “filho do Homem”, mas, já peguei a Madonna...

Mas, ao invés dessas respostas, apenas confirmei:

- Sim, sou o homem da luz.

E a louca da mulher gritou pro marido:

- Benhê, abre o portão que o homem veio marcar a água.

Vai entender...

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Os Amantes





- Ricardo...

- Hummm?

- Tá acordado?

- Agora tô!       

- Levanta!

- Por quê?

- Alguém abriu a porta lá embaixo.

- Deve ser ladrão.

- É sério, Ricardo!        

- Você deve ter sonhado, Claudete. Não to ouvindo nad... Ei, você tá ouvindo isso?

- Tem alguém subindo a escada!

- Mas, quem?

- Meu marido!

- Mas, você não disse que ele só voltava no sábado?

- Disse, mas... Rápido, se esconde!

- Onde?

- Dentro do armário.

- Não tem um lugarzinho mais óbvio, não?

Ricardo apanha suas roupas e entra no armário enquanto Claudete se deita na cama fingindo dormir.

A porta do quarto se abre. Uma sombra se aproxima, acende a luz do abajur e chama baixinho:


- Gostosa...

- VANDERLEY!!!

- Surpresa!!!

- O que você tá fazendo aqui?

- O que você acha? Vim te ver.     
 
- Mas, não era pra você tá trabalhando?

Ele vai tirando a roupa enquanto explica:

- Era... Entrei as 10 horas, quando foi 10 e meia, deu um “pau” no sistema elétrico e parou todas as máquinas. Naquela escuridão, não dava pra fazer nada, aí o encarregado dispensou a gente.

- Ah, tá... Só que é 1 e meia da manhã. O senhor pode fazer o favor de me explicar o que ficou fazendo das 10 e meia da noite até agora?

- Oh, gostosa! Nem parece que ficou contente de me ver... Vem cá me dar um beijinho!

Só de cueca ele pula em cima dela que tenta segurá-lo. A luta é interrompida pelo som de rajada de metralhadora abafado.

- Credo! Que foi isso?

- Fo... Fo... Fui eu!

- Nossa, Claudete! Nunca ouvi você peidar assim.

- Também, você fica me apertando!

- Engraçado, eu já ouvi esse peido... Mas, parece que saiu do armário...

- Ah, claro! É porque o meu “amante” tá la dentro.        
   
- Hahaha! Não, gostosa, eu tô bem aqui.

Ele voa novamente em cima dela. Eles rolam na cama quando, de repente...

- Que foi isso?

- Alguém abriu a porta lá embaixo.

- Ladrão, será?

- Seria muita sorte.

- Então, quem?

- Meu marido!

- Mas, ele não voltava no sábado?

- Ai, não sei de mais nada! Rápido, se esconde!

- No armário?

- NÃO!!!... Muito suspeito. Embaixo da cama.

Vanderley, este sim o amante oficial, junta suas coisas e vai pra debaixo da cama. Sobre a cama, Claudete finge dormir.

A porta do quarto se abre. Uma sombra entra, pára, observa a mulher por um instante e solta um riso bem baixinho. Depois, deixa algo sobre o criado-mudo, se vira e sai pra nunca mais voltar.

Assim que escuta a porta debaixo sendo trancada, a mulher se levanta, acende a luz e descobre uma carta ao lado da cama. Começa a ler...

Querida Claudete

Sinto informar que você não é tão esperta quanto pensava...

Há muito tempo que sei que você tem um amante. Aliás, um não. Dois!

Quer saber por que eu continuei com você? Foi por causa da tua herança.

Sabe quem é o namorado secreto da tua mãe? Sou eu! Estes 14 meses que você está me chifrando, foi tempo suficiente pra eu conquistar a velha e convencê-la a passar para o meu nome a empresa e todos os bens que seu pai deixou.

Mas, não se preocupe. Esta casa eu vou deixar pra vocês. Eu disse vocêS. Sim, é porque tua mãe vai vir morar com você.

Ela está acreditando que vai fugir pro Caribe comigo esta noite. Coitada! Eu não vou fugir com ela. Eu vou viajar com a Sônia, a gostosa da nossa empregada que você detesta.

Ah, e só pra finalizar: o Ricardo e o Vanderley, seus amantes, são gays e namorados! Não acredita? Ligue para Luis Antonio do Prado, detetive particular, 5555-0000. Ele vai confirmar com fotos e vídeos.

Pra você ver como é a vida, não!

Então, até!

Um beijo!

Celso



sábado, 5 de janeiro de 2013

O Retorno de PS




Era quarta-feira, 14 de dezembro de 2011, 22:00h.

Naquela noite, despedi-me do pessoal do teatro e segui para casa a pé, cabeça baixa, digitando uma mensagem no celular.

“FALHA DE ENVIO”

Tentei novamente... “FALHA DE ENVIO”

Insisti mais algumas vezes até que a mensagem na tela mudou para “SÓ CHAMADAS DE EMERGÊNCIA”.

Desisti. Bloqueei o teclado e enfiei o celular no bolso. E quando levantei a cabeça foi que percebi a escuridão em que me encontrava.

Eu estava no centro da cidade e não havia uma luz de poste acesa. Faltava uma semana para o Natal e não havia uma loja sequer aberta. Fazia um silêncio assustador.

Virei para trás para ver se enxergava o pessoal lá na porta do teatro. Tudo apagado.

Meti a mão no bolso para ligar a lanterna do celular, mas, ele não ligava.

“Não é possível que a bateria tenha acabado” – pensei.

Não enxergava um palmo à frente do meu nariz e quando já não sabia mais o que fazer, apareceu uma luz no fim do túnel, ou melhor, no céu.

- Meu Deus...


***


Acordei numa sala toda branca. Seria um hospital?

- Olá, terráqueo.

Meu coração quase pulou pela boca quando vi a figura à minha frente: um extraterrestre!

Não era verde como nos filmes. Nem cabeçudo. Era bem parecido com a gente só que a pele era transparente, tipo... Aquele macarrãozinho japonês que tem gosto de pepino e gengibre e que eu não sei o nome.

Quando me dei conta do que se tratava, fiquei super empolgado: eu havia sido abduzido! Que massa! Eu sempre tive vontade de conhecer os ETs... Mas, daí, comecei a pensar no que eles poderiam querer fazer comigo...

- O que vocês querem de mim? Já sei, implantar um chip na minha cabeça... Ou quem sabe me colocar numa experiência sexual com uma ET de 4 seios pra ver o que nasce do nosso cruzamento... Ou então...

- CALADO!!!

Fui levado para uma sala e me colocaram numa cadeira giratória no centro. Em volta havia pelo menos 10 ETs, estilo o programa de entrevistas Roda Viva.

- Você, Paulo, será submetido a uma série de perguntas esclarecedoras sobre a sua espécie: os humanos.

- Eeeeeeeeuuuuuu??? Por que justo eu?

- Porque você tem um blog com mais de 200 seguidores e estes seguidores estão crescendo a cada dia e você é conhecido em seu planeta como “O Homem da Luz”.

- Hahaha! Não exagera! Vocês estão de brincadeira, não é? Eu sou apenas um medidor de consumo de energia elétrica que tem um blog e...

-CALADO!!! Vocês humanos são estudados por nós há muitos séculos e sabemos da capacidade de dissimular, fingir e mentir que vocês têm.

- Ok, seu ET. Mas, se vocês nos conhecem tão bem, em que eu posso ajudá-los?

- Estudamos todas as línguas e dialetos do teu planeta, mas, especialmente no teu país, o Brasil, há mensagens no meio de certas músicas que não conseguimos decifrar. E temos certeza que você, o Homem da Luz, poderá nos dar “uma luz.”

- Ai que engraçadinho o senhor... Pode falar...

- “TCHE, TCHERERÊ TCHÊ TCHÊ... TCHERERÊ TCHÊ TCHÊ... TCHÊ, TCHÊ, TCHÊ...” / “TCHU TCHÁ TCHÁ TCHU TCHU TCHÁ, TCHU TCHÁ TCHÁ TCHU TCHU TCHÁ...” / “LÊ LÊ LÊ, LÊ LÊ LÊ...” / “...TINDÔ LÊ LÊ, INHECO NHECO XIQUE XIQUE BALANCÊ...”

Fiquei pasmo com a ingenuidade daquela raça que se dizia tão avançada. Expliquei o sentido daquelas músicas e também avisei que seu entendimento não mudaria nada na evolução da espécie. Mas, me surpreendi com a reação deles:

- Sensacional! Essas músicas são especiais! Podemos captar no meio delas a essência, o significado de coisas maravilhosas!

“Meu Deus! O Mundo está perdido!” – pensei.

Despedi-me de cada um deles. O “chefão”, aquele que me mandou calar a boca 2 vezes, disse-me que havia gostado tanto de mim que iria me procurar no Face.

No caminho de volta, comecei a vislumbrar possibilidades de me dar bem com a experiência vivida, como ser a ponte para uma série de shows o Michel Teló no planeta deles, por exemplo.



***


Acordei em casa com uma baita de uma ressaca. Não conseguia me lembrar de nada. Mas, com o passar dos dias, minha memória foi voltando. E então eu me lembrei dessa história da abdução. Nunca havia contado pra ninguém até hoje. Não por medo de ninguém acreditar. Mas, é que naquela noite, antes de ser seqüestrado, lembrei que no finalzinho da aula de teatro, eu estava com muita sede e o Salsicha, um colega de palco, me ofereceu um gole de um líquido, que parecia água, que estava dentro de uma garrafa de refrigerante dentro de sua mochila.

- O que é isso, Salsicha?

Mas, quem respondeu foi outro colega, o Tiago:

- É Baygon!

Vai saber o que era aquilo, meu Deus...