sexta-feira, 29 de abril de 2011

Alucinações



A porta giratória do banco travou quando Maloste tentou passar por ela.

- Senhor, por favor, coloque os objetos metálicos na caixinha ao lado. – disse o guarda.

- O único objeto metálico que tenho está dentro da minha cabeça.

Arrancou a roupa e nu tentou a passagem, mas, a porta novamente travou.

Na delegacia, afirmou que havia sido abduzido na adolescência. Jorge, o delegado, resolveu chamar um parente do sujeito.

Dona Altamira disse que seu filho Maloste havia experimentado vários tipos de drogas na adolescência e que em 1975 ficou desaparecido por 2 meses inteiros. Quando voltou para casa, passou a se queixar periodicamente de terríveis dores de cabeça.

O delegado, que secretamente adorava assuntos ligados a Ufologia, percebeu que havia uma protuberância no lado direito da testa de Maloste. Seria um chip implantado pelos ETs? Então, com prévia autorização, decidiu levá-lo para a clínica particular de um amigo médico.

Após exames, ficou constatado que aquele homem carregava na cabeça muito mais que fantasias de abdução, carregava uma bala.

A bala foi para a perícia e para surpresa do delegado, havia parado de ser fabricada a mais de 70 anos.

Dias depois, o delegado visitou Maloste e começou a questioná-lo:

- Maloste, você se lembra de quando levou esse tiro?

- Na Revolução de 1932.

- Mas, no seu documento de identidade diz que você nasceu em 1959. Como você explica isso?

- Simples. O senhor já ouviu falar na cápsula de viagem no tempo?

O delegado já havia percebido que aquele homem vivia em seu próprio mundo imaginário, mas estava cada vez mais interessado em sua história.

- Quer dizer que você já viajou na cápsula do tempo?

- Sim. Eu estava na nave mãe quando Zig e eu fomos testar a nova cápsula do tempo dos alienígenas. Aleatoriamente fomos parar bem no meio da Revolução de 32.

- Sim. E foi então que você levou o tiro?

- Eu não. Quem levou o tiro foi Zig.

- Quem é Zig? Um amigo da adolescência que também foi abduzido?

- Não. Zig é um alienígena amigo meu até hoje. Ele estava disfarçado de humano e usando um campo de força invisível quando levou o tiro. A bala ricocheteou no escudo dele e pegou na minha cabeça.

O delegado, cada vez mais fascinado com a criatividade daquele homem, tentava botar mais fermento na história:

- Depois disso, você foi levado pra nave mãe e foi curado pelos alienígenas. Certo?

- Sim, eu fui levado pra nave, mas, não fui curado. Eu já estava morto.

- Morto?

- Sim. Então, fui clonado.

- Então você não é o Maloste original, você é um clone dele?

- De certa forma, sim.

- Mas, se foi o Maloste original quem levou o tiro, como você possui uma bala na sua cabeça?

- Ninguém foge do seu destino, seu Jorge.

- O que você quer dizer com isso?

- Fui clonado e enviado a um planeta onde a passagem do tempo é diferente do tempo terreno. Em dois meses, tempo que fiquei desaparecido na terra, envelheci 16 anos e então pude voltar pra casa.

- Interessante. Continue...

- Um ano depois, um amigo disse que seu avô havia lutado na Revolução de 32 e que ele possuía uma arma da época. Acreditando que a arma estava descarregada, ele mirou na minha cabeça e atirou. O Maloste original quando levou o tiro ficou com um buraco do lado direito da cabeça. E eu, como fui clonado depois desse tiro, acabei herdando esse buraco de bala. E foi justamente onde a bala da arma do meu amigo se alojou e, portanto, eu não sofri dano nenhum!

- Que incrível! E você já pensou em escrever um livro?

- Pensava muito. Inclusive, no dia em que fui preso eu estava indo ao banco justamente para pedir um empréstimo para editar o meu livro que já está escrito. Mas, infelizmente, agora é tarde...

- Por que, Maloste?

 - Porque eu também morri.

- Quando?

- Esta noite.

- E como você morreu?

- Foi você mesmo quem me contou, não se lembra? Puxa, esse teu problema de dupla personalidade já está passando da conta.

Jorge acha graça.

- Dupla personalidade?

- Desde que você caiu da nave e bateu com a cabeça, você ficou assim: hora pensa que é o delegado Jorge, hora se lembra que é o Zig.

O delegado não se aguenta mais e ri. Mas, percebendo a seriedade no olhar de Maloste, para imediatamente. Então, é a vez de Maloste sorrir e dizer:

- Oh, Jorge, eu tô brincando... É claro que você não é o Zig...

- Ah, que bom!

- Na verdade, só ele poderia se comunicar com uma pessoa que já morreu como é o meu caso...

Jorge concorda com a cabeça.

-... Ou então, alguém que também já tenha morrido.

Jorge dá uma boa gargalhada e se levanta.

- Bom, o papo está bom, mas, eu preciso ir agora. Boa noite, Maloste.

- Boa noite e uma ótima eternidade pra nós!

- Amém!

Jorge sai dali mais leve. Depois de um dia estressante de trabalho na delegacia, nada como um papo furado com um cara criativo como Maloste para distrair. Ao entrar no carro, percebe a aproximação de alguém no lado oposto e saca a arma.

- Calma, meu filho, sou eu.

Ao olhar pro lado ele toma um susto: Dona Genoeva, sua avó que havia morrido há mais de 15 anos estava ali na sua frente com um vestido branco, descalça e os cabelos esvoaçantes ao vento.

- Vó? É você mesmo? Mas... Quer dizer então que eu morri?

- Não.

- Não? Ué, mas, como eu tô vendo a senhora então?

- Eu não sou a tua avó, eu sou a Eunice, irmã gêmea dela. Eu fugi do asilo que você e aquela ingrata da tua mulher me colocaram quando a Genoeva morreu. Lembra?

- Mas...

- Calado!

A velha pega uma arma antiga e atira a queima roupa no delegado.

Quando acorda, numa daquelas caminhas do filme Nosso Lar, Jorge percebe um homem de branco dando assistência para alguém na cama ao lado.

- Por favor, o senhor pode me dizer onde estou?

O homem se vira e com sua voz já conhecida diz:

- Pois não!

- Maloste?! Nããããããããõoooooooooo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Jorge acorda assustado, levanta num salto, tropeça no Rex que dormia ao lado da cama e racha a cabeça na quina do criado-mudo morrendo horas depois de traumatismo craniano num hospital público.


sábado, 23 de abril de 2011

O Bêbado e O Leiturista



Sexta-feira passada, estava fazendo leitura de luz num bairro “carente” aqui da cidade quando um tiozinho bastante bêbado chegou pra mim e pediu:

- Ô gente boa, vou ser bem sincero contigo, você pode me arranjar R$1,00 pra eu tomar uma cachaça pra curar meu coração?

- Vou ver se tenho. – respondi.

Se ele tivesse me pedido dinheiro pra comprar leite, por exemplo, eu teria dado a ele uma moeda falsa. “Olho por olho, dente por dente.” Mas, como ele foi sincero e eu não tinha dinheiro suficiente pra lhe pagar um terapeuta, dei um real mesmo.

Depois de pegar a moeda ele continuou:

- Eu trabalho de pedreiro pro João, você conhece?

- Não conheço.

- Então, ele tinha que me pagar hoje, mas, ele segura o meu pagamento pra eu não beber. Na verdade, faz mal beber muito né?

- Uma cachacinha só de vez em quando não tem problema. Agora eu tenho que ir.

Atravessei a rua e continuei trabalhando. O calor estava insuportável e o bafo de álcool dele era de matar. Tivesse batido um raio de sol na saliva dele e com certeza ele tinha virado um dragão.

- Ei, mas, como eu faço pra te pagar depois?

- O senhor me acerta no mês que vem.

Ele riu:

- Viu, mas, como é que você vai dando dinheiro assim pra quem você não conhece?

Aí eu parei, olhei bem sério pra ele e disse:

- Se o senhor não quiser, eu pego de volta.

E o bêbado rindo muito:

- Hahahaha! Ai não né!

E saiu andando mais rápido que o Flash enquanto alguns vizinhos desocupados riam daquela piada ao vivo.


sábado, 9 de abril de 2011

Passado, Futuro e Presente

Madame Guaracema, a cartomante, dispõe as cartas de tarô sobre a mesa e pede para a cliente, Raquel, cortar em dois montes. Pega o monte da direita e distribui as cartas a sua frente.

- O que a senhora vê, madame Guaracema?

- Hummm... Vejo tudo meio embaçado...

- Será que é porque eu estou tensa e o jogo não está abrindo?

- Não. É porque eu operei o olho esquerdo de catarata e não ficou muito bom... Meu Deus!

- O que foi?

- Está ficando tudo escuro...

- E o que isso quer dizer? Morte, tragédia, desgraça?

- Não, significa que vai chover. Vou fechar a janela e acender a luz.

- Madame Guaracema, eu quero confirmar se o meu marido está me traindo.

A madame vira uma carta e diz:

- Está!

- Eu sabia! E como ela é?

- Morena...

- Tem certeza?

- Tenho. Por quê?

- Porque eu desconfio que ele esteja tendo um caso com a piranha da secretária dele, que é loira.

- Ah, mas, ela não pinta o cabelo?

- Ah... É verdade. Aquela oxigenada do inferno!

- Tô falando... Espere!

- O que foi?

- Eu sinto cheiro de algo no ar...

- E o que é?

- É a minha dobradinha que está queimando. – Grita para dentro - Ô Rita, apaga o fogo da panela pra mim! – Volta-se para a cliente – O nosso tempo está acabando, você quer saber mais alguma coisa?

- Mas já? A senhora ainda nem me disse nada, madame Guaracema.

- Como não, Raquel? O mais importante você já sabe: teu marido tem uma amante.

- Ah, mas, isso já era de se esperar. Eu quero saber algo que eu ainda não sei.

- Então você vai saber agora: o preço da consulta ao tarô aumentou. São R$150, 00.

- Tudo isso? Tudo bem, eu pago. A senhora merece. Bom, eu vou indo então madame Guaracema, porque ainda tenho uma sessão de regressão hoje com o meu terapeuta. Semana que vem, eu volto.

- Deus te acompanhe.

Depois de querer prever o futuro na cartomante, lá se foi Raquel para mais uma sessão de regressão com o seu terapeuta em busca de reviver e curar as feridas do passado.

Passado, Futuro, mas, e o Presente? Será que ela tinha tempo para o seu presente?

Claro!

Na volta da terapia, passou no shopping e usando o cartão de crédito do marido traidor comprou vários sapatos e roupas de marcas caras e deu de presente para si mesma.




domingo, 3 de abril de 2011

A Verdadeira História de Rapunzel


Imagem retirada do blog do ilustrador Mauro Souza. Conheça o trabalho dele: CLIQUE AQUI.


Era uma vez um jovem casal que queria muito ter o seu primeiro filho.

Durante um ano, tentaram de tudo: tratamentos médicos, simpatias, corrente de oração dos 318 pastores, macumba, chás de ervas... E nada.

Até que um dia, o marido chegou pra esposa com uma ideia radical:

- Querida esposa, já tentamos de tudo e você não engravidou. Agora só resta uma solução...

- Qual, querido esposo?

- Nós vamos ter que fazer sexo!

Deu certo!

Durante a gravidez, a mulher teve desejo de comer uma fruta do pomar da vizinha que, literalmente, era uma bruxa. Acreditando que a esposa estivesse esperando um menino e com medo deste nascer com cara de Clodovil, digo, com cara de fruta, o marido resolveu assaltar o pomar.

O problema é que na terceira noite em que o marido escalava o muro pra roubar as frutas, a bruxa o pegou no pulo. Ele implorou por misericórdia, dizendo que faria qualquer coisa pelo seu perdão. E então ela disse:

- Você terá que passar uma noite comigo.

- Oloooooooooooooooooooooco!!! Aí também não, né, Dona Bruxa. A senhora não pode fazer uma coisinha mais tradicional, tipo: transformar-me em sapo?

- CALE-SE, seu imbecil! Agora você só tem uma opção: quando a criança nascer, ela deve ser entregue a mim!

Alguns meses depois, nascia Rapunzel que, conforme o combinado, foi entregue a bruxa.

Quando completou 12 anos, Rapunzel foi trancada no alto de uma torre sem portas nem escadas, com apenas um quarto no topo. Quando a bruxa queria subir, Rapunzel jogava suas tranças de cabelos que eram presas num gancho. E a bruxa subia por eles.

Certo dia, uma assistente social indagou a bruxa sobre o que ela costumava fazer com a menina Rapunzel no alto da torre.

- Dona assistente social, eu nada mais sou do que uma velha e pobre bruxa amante de esportes radicais como o Rapel. Por isso, quando desço da torre, uso os cabelos da menina como cordas. Apenas isso. A senhora aceita mais uma maçã?

E a assistente social:

- Si... Si... Sim. Ai... Que sooooono...

Mas, infelizmente, não era só a bruxa que queria se aproveitar da menina...

Um dia, um príncipe que cavalgava no bosque, ouviu Rapunzel cantando na torre. Ficou encantado com aquela voz que era muito parecida com a da Maria do Big Brother 11 cantando no video-kê. Seguindo o som, encontrou a torre. Não achou nenhuma porta, mas não desistiu. Retornando ao local com frequência, um dia observou uma visita da bruxa e aprendeu como subir na torre.

Quando a bruxa foi embora, ele pediu que Rapunzel soltasse seus cabelos e, ao subir, a pediu em casamento. Rapunzel aceitou e depois de algumas visitas, eles bolaram um plano.

- Rapunzel, o esquema é o seguinte: como a bruxa te visita de dia, então, eu, virei à noite e te trarei seda...

- Seda?! Beleza! Faz tempo que não fumo um baseadinho...

- Não, Rapunzel. Não é isso...

- Ahhh, você tá falando de shampoo. Ah, mas tem que trazer muitos porque olha o tamanho que tá o meu cabelo. Depois que eu me converti, nunca mais cortei nem as pontas e...


- NÃO!!! Escuta, sua anta: eu trarei tecido de seda e você o tecerá numa escada. Quando estiver pronto, nós fugiremos durante a noite deixando a escada coberta pelas tranças de seda no lugar dos seus cabelos. Quando a bruxa chegar aqui no alto da torre e descobrir tudo, já estaremos longe.

- OK! Será que nós podemos brincar de alguma coisa agora?

- O que vai ser hoje? Pega-pega ou esconde-esconde?

- Não, hoje vamos brincar de médico.

Embora não parecesse, Rapunzel era uma mocinha inocente...

Depois de alguns meses, chegou para a bruxa e comentou:

- Nossa! Meu vestido anda tão apertado na barriga.

- Você anda indo ao banheiro?

- Claro! Eu vou ao banheiro regularmente porque tomo Activia todos os dias.

- Estranho... E o que mais você notou de diferente?

- Enjoo. Muito enjoo e sono.

A bruxa, que era raposa velha, sacou tudo. Ficou tão irada que cortou os cabelos de Rapunzel e lançou um feitiço para que a garota vivesse em um deserto.

Naquela mesma noite, quando o príncipe veio visitar sua amada, a bruxa jogou as tranças pela janela da torre. Ele subiu e ao chegar ao topo deu de cara com a bruxa que disse:

- Você nunca mais verá Rapunzel!

Ela empurrou o príncipe que caiu da torre em cima de um monte de espinhos, ficando cego.

Durante meses ele vagou sem rumo pelas terras do reino enquanto Rapunzel dava à luz duas crianças gêmeas.

Um dia, Rapunzel lavava roupa num rio quando começou a cantar. O príncipe, que passava ali perto, reconheceu sua voz e seguiu o som até encontrá-la. As lágrimas de Rapunzel curaram a cegueira dele. E então, ele disse:

- Rapunzel, agora nossos filhos, você e eu podemos viver felizes para sempre no meu reino.

- Engano seu, meu querido. Você cuida das crianças porque eu tô indo pro Rio de Janeiro tentar a vida como cantora. Adeus!