Clóverson era
leiturista de luz.
Estava nesse emprego a
9 anos e nunca havia tirado férias.
É aquela velha
história: o cara trabalha numa empresa terceirizada. A empresa presta serviço
durante 1 ano, 1 ano e meio e quando chega a época do funcionário tirar férias,
a empresa quebra, sai e chega outra empresa.
E o cara sem férias...
Mas, tudo estava para
mudar. As férias tão merecidas de Clóverson finalmente aconteceriam!
Era uma sexta-feira. Clóverson
estava marcando a luz numa rua íngreme e sem saída. Estava na última leitura do
dia.
“Ah, última leitura! E
que venham as minhas férias!” – pensou. Ele conferiu os números da leitura no
medidor. Digitou no seu aparelho e... O aparelho travou.
Quando o aparelho,
chamado PDA, travava, era preciso reiniciá-lo, assim como um computador que dá “pau”.
E ele reiniciou o aparelho.
Depois de quase 5
minutos, o aparelho estava restabelecido. Clóverson digitou a leitura
novamente. E quando a pequena impressora presa em sua cintura começou a
imprimir a última conta, acabou o papel.
O leiturista
pacientemente pegou a mochila que trazia nas costas, abriu o zíper e apanhou
uma bobina de papel. Abriu a impressora, tirou o rolinho vazio e quando foi
substituí-lo, a bobina nova escorregou de sua mão.
Ele se abaixou para
apanhá-la, mas, um vira-lata brincalhão foi mais rápido.
Era a última bobina e
Clóverson precisava pegá-la de qualquer jeito.
Ficou cercando o
cachorro por mais de 10 minutos até que foi salvo por uma cadelinha, muito
provavelmente no cio, que passou acompanhada por mais meia dúzia de cães e fez
com que o vira-lata também a seguisse largando a bobina.
Ele apanhou a bobina
toda babada e a retirou do saquinho plástico. Fez uma expressão de nojo e
limpou as mãos nas próprias calças. Conseguiu colocar a bobina na impressora.
Mas, quando foi clicar no PDA para dar o comando de imprimir a conta, a tela
havia apagado.
Clóverson apertou o
botão de liga/desliga e nada. Quando isso acontecia, ele sabia que a única
solução era retirar a bateria do aparelho e esperar 10 minutos, antes de
recolocá-la. Foi o que ele fez.
Passados 5 minutos, ele
resolveu dar uma caminhada até uma padaria que ficava a uns 10 minutos dali.
Estava com sede.
Porém, ao chegar à
padaria, não resistiu as suculentas esfihas que estava exposta e comeu logo
duas.
No caminho de volta ao
trabalho, recolocou a bateria no PDA e como a leitura já estava gravada, ali
mesmo ele imprimiu a conta.
Caminhou cerca de 10
minutos com a conta na mão, sedento para colocá-la logo na caixinha de correio
do cliente e estar finalmente livre para curtir suas férias.
Quando se aproximou da
última casa da rua, foi pego de surpresa por um vento repentino. A conta saiu
voando. Ele correu atrás. Quase a pegou no ar, mas, ela caprichosamente fez uma
curva e caiu nos seus pés. Quando abaixou para apanhá-la, bateu outro vento.
Ela se enrolou e rolou até cair dentro de uma boca de lobo.
Ele riu e pensou: “Acho
que não é pra eu tirar férias.”
Teria que imprimir
outra conta.
De repente, começou a suar
frio.
Seria o esforço de
subir aquela ladeira e depois correr atrás da conta?
Não!
Era o efeito das
engorduradas esfihas que agora havia se transformado em terrível cólica.
“Meu Deus, um banheiro!
Meu Deus...”
O posto!
Havia um posto de
gasolina há 2 quadras dali.
Desceu o mais rápido
que pôde, com o tronco comprimido e as pernas se movendo rapidamente, numa
espécie de marcha atlética.
No caminho, foi parado
por uma mulher:
- Moço, você é da luz?
- Si...sim.
- Você tá bem?
- Nã... Não.
- Mas, acho que dá pra
você me dar uma informação. É rapidinho... É o seguinte: na minha casa só tem 3
cômodos. Não tenho freezer, nem microondas, nem nada que gaste tanta energia.
Por que a minha conta vem tão cara?
- Quanto, senhora?
- 80 reais, um
absurdo!
- E quantas pessoas moram na casa?
- 8.
- E tem chuveiro?
- Lógico!
- Então, a senhora me desculpe, mas o seu relógio deve estar com
defeito pra marcar tão pouco.
Deu
um abraço na mulher, um beijo no rosto, disse “Obrigado” e foi embora...
As
pessoas fazem coisas estranhas quando estão desesperadas...
Chegando ao posto de
gasolina, desesperado, ele nem deu um “alô” para os amigos frentistas. Achou
que o esforço do movimento do braço se levantando num cumprimento poderia ser
demais para a situação. Contudo, quando se sentou no “trono”, não precisou
fazer esforço algum, só relaxar...
Minutos depois, mais
aliviado, pegou sua mochila e voltou à ladeira para deixar a derradeira conta.
Porém, ao chegar lá, houve um pequeno problema...
“Cadê a minha
impressora?”
Ele havia esquecido a
dita-cuja no banheiro do posto de gasolina. Voltou correndo feito um doido,
rezando para que ninguém a tivesse levado.
Por sorte, ela
continuava lá, intacta, em cima da pia.
Pegou a impressora e
subiu a ladeira. Começava a chuviscar. 10 minutos depois estava em frente a
casa onde deveria deixar a última conta do roteiro.
Quando ligou o PDA e a
impressora, a chuva engrossou. Não havia condições de imprimir a última conta.
Procurou o guarda-chuva na mochila, mas, sem sucesso. Então, buscou abrigo na
única casa da rua onde era possível se esconder da chuva, na esquina lá
embaixo.
Esperou por quase 15
minutos até que a chuvona virasse uma garoinha.
Finalmente, imprimiu a
última conta. Subiu a rua e quando chegou a casa percebeu que estava sem
caixinha de correio.
“Putz! Se eu deixar a
conta no portão e voltar a chover, vai estragá-la.”
Bateu palmas, mas,
ninguém atendeu.
Chamou, mas, não adiantou.
Descobriu
uma campainha, tocou e nada...
De
repente, uma vizinha abriu a janela e gritou:
- Não tem ninguém aí
moço.
- Senhora, eu preciso
deixar a conta de luz nesta casa, mas, está chovendo. A senhora poderia fazer a
gentileza de entregar depois pra sua vizinha?
- Sinto muito, mas, eu
odeio essa mulher!
- Ok!
O
leiturista já estava ficando desanimado quando chegou um carro. Era a senhora
que tinha pedido informação.
- Ah, você de novo...
- Pois é... Vim
deixar a sua conta de luz. – e estendeu o braço para a
mulher.
Ela
segurou sua mão e disse:
- Você não quer entrar um pouquinho?
– e deu uma piscadela pra ele.
Preconceitos
à parte, ela tinha idade para ser a sua avó.
- Ah, sabe o que é,
senhora, eu preciso ir... Estou com suspeita de gripe suína e tenho um exame médico
agora.
A
senhora entrou quase que tropeçando dentro de casa.
Clóverson
seguiu até à base pra deixar os aparelhos. Estava exausto, porém, muito feliz!
Finalmente haveria de tirar as férias tão sonhadas.
- Clóverson, preciso falar com você...
- Pois não, seu
Carlos.
- Houve um problema no sistema de RH e as suas férias foram
adiadas, sem previsão de data.
¨¨¨¨
Clóverson
pegou 3 anos e meio por tentativa de homicídio e jura que não espera o dia em
que estará livre.