Certo dia, ou melhor, certa noite, estava saindo do motel com uma pessoa e assim que tiramos o carro da garagem percebemos que gritos muito altos de um homem e uma mulher vinham de um quarto bem à frente.
- Opa! O negócio ali está bom!
Mas, prestando atenção, percebemos que não se tratavam de gritos e gemidos de quem estivesse tendo uma noitada selvagem de amor. O casal estava discutindo feio!
Ouvimos o barraco por alguns minutinhos e saímos dali dando risada da situação. Mas, o melhor ainda estava por vir. Quando passamos na cancela da saída, estávamos esperando a vistoria no quarto para fazer o pagamento, quando ouvimos a outra atendente dizer ao telefone:
- Desculpe o incômodo. Quarto 52, correto? Então, parece que está havendo uma discussãozinha aí e os outros clientes estão reclamando. Será que dá para vocês brigarem um pouquinho mais baixo? Obrigada!
Como assim brigar mais baixo???
É claro que a partir daí, passei a imaginar histórias na minha cabeça...
Imagina os outros clientes incomodados com a briga:
- Poxa, Cleber, o que está acontecendo com você hoje?
- Poxa, Marta. Você não tá ouvindo a briga aqui do lado?
- Tô. Mas, se concentra, vai!
- Tô tentando.
O casal recomeça. Ele está quase atingindo seu objetivo, quando ouve algo que o desconcentra de vez.
- O que foi agora, Cleber?
- Você não ouviu?
- O quê?
- Ela o chamou de “broxa”.
- E o que você tem a ver com isso? – ela olha pra baixo. – Ah, já entendi. A carapuça serviu...
Eu fico imaginando o que leva um casal a pagar pra ir ao motel e começar uma discussão.
- Vai, Valéria. Agora você passa a mão aqui por trás... Não, essa não, a outra...
- Assim?
- Isso! Agora, estica a perna direita, não, a esquerda. É acho que é a esquerda mesmo. Esterça a pélvis para o lado. Isso, encaixa.
- E agora?
- Agora, mexe.
- Não dá.
- Como não dá. Tá aqui no livro. Olha... Ai, merda. Derrubei o Kama Sutra. Desencaixa que eu vou ter que pegar o livro pra conferir a posição de novo.
- Não, dá.
- Como não dá?
- Entalou?
- Vai Valéria, deixa de ser lerda.
- Não me chama de lerda.
- Mas, é lerda mesmo. Tô falando do jeito que tem que fazer a posição, tô mostrando a fotografia, e você não acompanha.
- Mas, também, você vem com esses malabarismos aí pra cima de mim. Isso é sexo ou treinamento pro Circo de Soleil?
- Qual é?! Você vivia reclamando que a gente precisava sair da rotina na cama e agora que eu dei um jeito você fica reclamando? Ah, vá pra Put...
- NÃO ABAIXA O NÍVEL, NÃO!!! NINGUÉM TÁ FALANDO PALAVRÃO AQUI!
- AH, É? AH, É? E QUEM É QUE TÁ GRITANDO? SOU EU?
- TÁ GRITANDO SIM!
- AGORA EU TÔ MESMO!
- VOCÊ É UM CAVALO!
- Obrigado! (irônico)
- Hahaha! Não seja ridículo!
- Que foi?
- Você só é cavalo na hora de dar coice, porque de resto...
- Ah, minha filha. Nunca ninguém reclamou. Muito pelo contrário. Sempre recebi elogios e pedidos de bis.
- Hahaha! Faz-me rir.
- Ah, é? Ah, é? Se eu não te satisfaço, porque é que você continua comigo então?
- Porque eu sou uma burra.
- Some então. Vai! SOME DA MINHA VIDA PRA SEMPRE SUA VACA!
- EU VOU SUMIR ASSIM QUE EU SAIR DAQUI! E VOCÊ NUNCA MAIS VAI VER A MINHA CARA, SEU BROXA!
- CALA A BOCA OU TE DENUNCIO POR CALÚNIA!
- BROXA! BROXA!
- PÁRA DE GRITAR, SUA LOUCA!
- BROXA!
O casal continua discutindo, dizendo palavras de baixo calão e gritando cada vez mais alto. Até que o telefone toca.
- Ai, mais essa agora... ATENDE ISSO, JUNIOR!
- NÃO DÁ! Tá mais perto de você.
- INFERNO!
Com os dedos dos pés, ela consegue atender ao telefone e, por incrível que pareça, colocar no ouvido.
- Sim, é do quarto 52. Ah, Desculpe! (Que vergonha!) A gente vai parar de discutir sim... Viu, moça, será que dá pra você dar um pulinho até aqui? É que a gente tá com um pequeno probleminha... Como?... Produtos eróticos?... Consolo de borracha?... Ah, não. Não estou falando do “probleminha” do meu namorado. É que ficamos enroscados e... Como não dá?... Regra do motel? Mas, escuta, nós estamos enroscados, é sério!... Tá bom, tá bom! Eu dou um jeito.
Desliga o telefone e com os dedos do outro pé, ela consegue discar para o Corpo de Bombeiros.
Depois de explicada a situação e enquanto esperam enroscados e em silêncio a chegada do socorro, o namorado pergunta:
- Valéria.
- Oi.
- Posso te fazer uma pergunta?
- Já fez.
- Outra.
- Pode.
- Como você teve tanta flexibilidade pra atender ao telefone e ainda por cima conseguir ligar para os bombeiros?
- Ah, é que eu já fui contorcionista.
- ENTÃO POR QUE VOCÊ NÃO MEXEU NA HORA QUE TINHA QUE MEXER?
- NÃO GRITA COMIGO!
E a discussão no motel recomeça, para desespero dos casais ao lado.