A porta giratória do banco travou quando Maloste tentou passar por ela.
- Senhor, por favor, coloque os objetos metálicos na caixinha ao lado. – disse o guarda.
- O único objeto metálico que tenho está dentro da minha cabeça.
Arrancou a roupa e nu tentou a passagem, mas, a porta novamente travou.
Na delegacia, afirmou que havia sido abduzido na adolescência. Jorge, o delegado, resolveu chamar um parente do sujeito.
Dona Altamira disse que seu filho Maloste havia experimentado vários tipos de drogas na adolescência e que em 1975 ficou desaparecido por 2 meses inteiros. Quando voltou para casa, passou a se queixar periodicamente de terríveis dores de cabeça.
O delegado, que secretamente adorava assuntos ligados a Ufologia, percebeu que havia uma protuberância no lado direito da testa de Maloste. Seria um chip implantado pelos ETs? Então, com prévia autorização, decidiu levá-lo para a clínica particular de um amigo médico.
Após exames, ficou constatado que aquele homem carregava na cabeça muito mais que fantasias de abdução, carregava uma bala.
A bala foi para a perícia e para surpresa do delegado, havia parado de ser fabricada a mais de 70 anos.
Dias depois, o delegado visitou Maloste e começou a questioná-lo:
- Maloste, você se lembra de quando levou esse tiro?
- Na Revolução de 1932.
- Mas, no seu documento de identidade diz que você nasceu em 1959. Como você explica isso?
- Simples. O senhor já ouviu falar na cápsula de viagem no tempo?
O delegado já havia percebido que aquele homem vivia em seu próprio mundo imaginário, mas estava cada vez mais interessado em sua história.
- Quer dizer que você já viajou na cápsula do tempo?
- Sim. Eu estava na nave mãe quando Zig e eu fomos testar a nova cápsula do tempo dos alienígenas. Aleatoriamente fomos parar bem no meio da Revolução de 32.
- Sim. E foi então que você levou o tiro?
- Eu não. Quem levou o tiro foi Zig.
- Quem é Zig? Um amigo da adolescência que também foi abduzido?
- Não. Zig é um alienígena amigo meu até hoje. Ele estava disfarçado de humano e usando um campo de força invisível quando levou o tiro. A bala ricocheteou no escudo dele e pegou na minha cabeça.
O delegado, cada vez mais fascinado com a criatividade daquele homem, tentava botar mais fermento na história:
- Depois disso, você foi levado pra nave mãe e foi curado pelos alienígenas. Certo?
- Sim, eu fui levado pra nave, mas, não fui curado. Eu já estava morto.
- Morto?
- Sim. Então, fui clonado.
- Então você não é o Maloste original, você é um clone dele?
- De certa forma, sim.
- Mas, se foi o Maloste original quem levou o tiro, como você possui uma bala na sua cabeça?
- Ninguém foge do seu destino, seu Jorge.
- O que você quer dizer com isso?
- Fui clonado e enviado a um planeta onde a passagem do tempo é diferente do tempo terreno. Em dois meses, tempo que fiquei desaparecido na terra, envelheci 16 anos e então pude voltar pra casa.
- Interessante. Continue...
- Um ano depois, um amigo disse que seu avô havia lutado na Revolução de 32 e que ele possuía uma arma da época. Acreditando que a arma estava descarregada, ele mirou na minha cabeça e atirou. O Maloste original quando levou o tiro ficou com um buraco do lado direito da cabeça. E eu, como fui clonado depois desse tiro, acabei herdando esse buraco de bala. E foi justamente onde a bala da arma do meu amigo se alojou e, portanto, eu não sofri dano nenhum!
- Que incrível! E você já pensou em escrever um livro?
- Pensava muito. Inclusive, no dia em que fui preso eu estava indo ao banco justamente para pedir um empréstimo para editar o meu livro que já está escrito. Mas, infelizmente, agora é tarde...
- Por que, Maloste?
- Porque eu também morri.
- Quando?
- Esta noite.
- E como você morreu?
- Foi você mesmo quem me contou, não se lembra? Puxa, esse teu problema de dupla personalidade já está passando da conta.
Jorge acha graça.
- Dupla personalidade?
- Desde que você caiu da nave e bateu com a cabeça, você ficou assim: hora pensa que é o delegado Jorge, hora se lembra que é o Zig.
O delegado não se aguenta mais e ri. Mas, percebendo a seriedade no olhar de Maloste, para imediatamente. Então, é a vez de Maloste sorrir e dizer:
- Oh, Jorge, eu tô brincando... É claro que você não é o Zig...
- Ah, que bom!
- Na verdade, só ele poderia se comunicar com uma pessoa que já morreu como é o meu caso...
Jorge concorda com a cabeça.
-... Ou então, alguém que também já tenha morrido.
Jorge dá uma boa gargalhada e se levanta.
- Bom, o papo está bom, mas, eu preciso ir agora. Boa noite, Maloste.
- Boa noite e uma ótima eternidade pra nós!
- Amém!
Jorge sai dali mais leve. Depois de um dia estressante de trabalho na delegacia, nada como um papo furado com um cara criativo como Maloste para distrair. Ao entrar no carro, percebe a aproximação de alguém no lado oposto e saca a arma.
- Calma, meu filho, sou eu.
Ao olhar pro lado ele toma um susto: Dona Genoeva, sua avó que havia morrido há mais de 15 anos estava ali na sua frente com um vestido branco, descalça e os cabelos esvoaçantes ao vento.
- Vó? É você mesmo? Mas... Quer dizer então que eu morri?
- Não.
- Não? Ué, mas, como eu tô vendo a senhora então?
- Eu não sou a tua avó, eu sou a Eunice, irmã gêmea dela. Eu fugi do asilo que você e aquela ingrata da tua mulher me colocaram quando a Genoeva morreu. Lembra?
- Mas...
- Calado!
A velha pega uma arma antiga e atira a queima roupa no delegado.
Quando acorda, numa daquelas caminhas do filme Nosso Lar, Jorge percebe um homem de branco dando assistência para alguém na cama ao lado.
- Por favor, o senhor pode me dizer onde estou?
- Pois não!
- Maloste?! Nããããããããõoooooooooo!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Jorge acorda assustado, levanta num salto, tropeça no Rex que dormia ao lado da cama e racha a cabeça na quina do criado-mudo morrendo horas depois de traumatismo craniano num hospital público.